Foram meses a fio. Meses. Feitos de dias e dias em que, em cada um, o pedido se repetia. E repetia.
Durante dias e dias, a frase, cada vez mais choramingada e arrastada, surgia assim que António punha um pé dentro de casa.
- Paizinho, quando é que nos constróis a casa na árvore?
Chegou a um ponto em que António já punha a chave à porta a cantar para si mesmo em voz de falsete. “Paizinho, quando é que nos constróis a casa na árvore?”. Impressionava-o a persistência. Aborrecia-o a insistência. Não gostava de dizer que não à menina dos seus olhos. A sua querida Beatriz.
Sentada no soalho de madeira do hall de entrada, de pernas cruzadas e a “Bi” debaixo do braço, a única filha de António esperava-o pacientemente. Diariamente. Com uma pergunta – sempre a mesma – na ponta da língua:
- Paizinho, quando é que nos constróis a casa na árvore?
António não lhe dizia que não. Não gostava de dizer que não à sua querida Beatriz. Em vez disso, adiava a empreitada (para “quando estiver mais calor”), na esperança de que a ideia da casa na árvore - que em nada o agradava - lhe fugisse do pensamento, como o fizeram as ideias do pónei ou da casa de bonecas de três andares. Não fugiu.
- Pai, hoje está calor. É hoje que nos constróis a casa na árvore? Eu e a Bi já estamos à espera há muito tempo. E tu prometeste-nos!!
António não gostava de dizer que não à sua querida Beatriz...
O leve encolher de ombros da pequena Beatriz sempre que o pai dava uma martelada lá no alto do velho carvalho, não apagava o brilho nos seus olhos. Ora sentada no relvado, ora a andar em círculos à volta da árvore, Beatriz só tinha olhos para o seu pai e para a casa que, lentamente, ganhava forma. Até a "Bi", oferecida pelos pais no Natal e, desde então encaixada, noite e dia, entre o braço e as costelas de Beatriz, tinha sido temporariamente abandonada no relvado enquanto a dona inspeccionava as obras.
- Falta muito? E a escada? Quando é que montas a escada?
António não gostava da ideia. Desde que trepou pelo carvalho acima que sentia um vazio no peito para o qual não encontrava explicação. Afinal, estava a fazer aquilo que lhe dava mais prazer: uma vontade da sua querida Beatriz. Mas aquela sensação não o abandonou.
Estranhou. Mas prosseguiu.
...
Poucos meses passaram e, da escada, restam apenas bocados de madeira pregados ao tronco da árvore. Os degraus de madeira que antes formavam a escada para a casa de sonho da Beatriz, estão agora partidos em mil pedaços, espalhados pelo relvado. A casa, essa, continua lá em cima. Nela, apenas uma boneca. Abandonada.
Desde ontem que o vazio que António sentiu no peito tinha desaparecido. Desde ontem que no seu peito ardia uma fogueira de raiva, alimentada pelo pior dos combustíveis. A culpa. Apenas por breves segundos, essa dor que parece queimar por dentro, dá lugar à mais ténue das esperanças. Enquanto pousa uma margarida no pequeno retângulo de terra fresca à sua frente, António fecha os olhos e anseia pela chegada a casa. Quer acreditar que, quando chegar, a sua querida Beatriz estará, sentada, de pernas cruzadas, a olhar para a porta, pronta a perguntar:
- Paizinho, quando é que nos constróis a casa na árvores?
Mas a maldita casa estava construída.
Afinal, não gostava de dizer que não à sua querida Beatriz.