sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Ventoux

É de feitos como este que os melhores capítulos da história da humanidade são escritos. Odisseias que fazem estender o limite daquilo que é considerado humanamente possível, e que nos fazem acreditar que o céu é mesmo o limite para aqueles que vêem nos sonhos ideias. Esqueçam os ultramaratonistas que correm 300 kms no deserto. Esqueçam os tarados que sobem o Evereste. Esqueçam esses pussies e ponham os olhos nestes Rambos! A ideia é tão simples quanto genial: alugar uma bicicleta nas ruas de Londres, metê-la na mala do carro, viajar até ao sul de França e, uma vez chegados, subir a montanha mais difícil da Volta à França em bicicleta. Parece fácil mas não é. Tudo isto tem de ser feito em menos de 24 horas porque - obviamente!! - ninguém quer pagar uma multa por exceder o tempo de aluguer da bicicleta quando se está a subir o Mont Ventoux.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

"this fantasy in which people lose all power over themselves"

Um debate interessante, com participantes improváveis (Matthew Perry Vs. Hitchens mainovo?! Wtf?!?!), e em que Portugal - pasme-se!! - é apresentado como um bom exemplo. A coisa começa a aquecer verdadeiramente a partir dos 3:20, e é uma pena que aquele que aparenta defender a posição certa não tenha o mesmo jeito para o debate que tem para a comédia. Acontece até por mais que uma vez ele confundir os dois. Não obstante, vale a pena ver.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

vaginal knitting (isso mesmo)

Há uns dias atrás, estava eu feliz e contente numa daquelas deambulações pela net, desprovidas de destino ou propósito, apenas guiada pelos impulsos pop-upianos que, ignorando o perigo que se aproximava, bati de frente numa idiotice. Por vezes acontece depararmo-nos com idiotices. Na net então é muito comum, pelo menos para mim que, estou convencido, as procuro inconscientemente. Esta idiotice em concreto deixou-me num nível de irritação tal que só agora encontrou paralelo no historial de pequenas e súbitas irritações que de vez em quando me assolam o espírito. Falo de "arte", assim mesmo, entre aspas. Falo daquelas manifestações públicas que por serem tão fora da caixa (essa puta dessa expressão que Portugal descobriu e agora parece não querer largar) e tão pouco usuais que são apelidadas de "arte". Não falo de pinturas abstractas que ambicionam a precisão de uma criança de 3 anos, nem de filmes à la César Monteiro que, como o próprio tratou de explicar de forma suficientemente explícita, não ambicionam sequer o reconhecimento do público (acho que não estou a ir longe demais aqui, foi o próprio que disse que quer "que o público português se foda"). Esse tipo de manifestações artisticas são-no em consequência do reconhecimento de um público restrito, composto essencialmente por artistas. Esse tipo de manifestações não me chocam. Não me irritam. Não as compreendo, mas sou humilde o suficiente para simplesmente encolher os ombros e conceder que se alguém está disposto a pagar fortunas por determinado traço em fundo branco, é porque ele deverá valer isso. Sou muito Marshaliano nesse aspecto. Fui ensinado que o preço se justifica pela intercepção da curva da procura e da oferta (qualquer coisa assim) e não sou de questionar temas que não domino (not!). As que me irritam não são essas. Não. As que me irritam são as que são idiotas. O que as torna idiotas é que já é de mais dificil explicação, sobretudo quando falamos de algo - arte - cuja avaliação obedece ao mais relativo dos critérios: a estética. O que para uns é idiota, para outros é lifechanging, mas eu vou correr o risco e vou dizer: vão po caralho!! Há arte que de artístico só tem a cavalgadura que habita o cérebro de quem a faz. Foi o caso dessa idiotice com que me deparei há uns tempos. Não encontro o link, mas também não me apetece dedicar muito mais tempo ao tema, nem tão pouco dar-lhe mais umas views à pala. O que estava em causa era uma exposição (em Serralves senão me engano) e o vídeo versava sobre apenas uma das "obras" que estava em exposição. O "trabalho" consistiu em pôr um plástico de - vá - 5x3 metros no chão e de seguida, cerca de 10 pessoas, deslocaram-se para cima do plástico para, todos de jornal na mão, baixarem as calças até aos tornozelos e largarem ou uma poia ou uma poça de mijo (o critério a que obedeceram para fazerem uma ou outra não ficou claro) em cima do plástico enquanto liam o jornal. Foi o que aconteceu. Foi o que se viu no tal vídeo. Pessoas a cagar e a mijar para cima dum plástico, rodeadas de um público entusiástico (com elevada taxa de utilização de óculos de massa), que não se coibiu de aplaudir sonoramente assim que os intestinos e bexigas dos artistas tornaram inviável a continuação da mostra. Isto é idiota. Ponto. A única coisa mais idiota que isto é quem ousar contestar que isto é idiota.

Hoje dei com outra idiotice do género verdadeiramente idiota que só 10 pessoas a cagar e a mijar por uma mesma causa desconhecida consegue igualar. Trata-se da arte do Tricot Vaginal. Esta vaca do vídeo abaixo chegou aos 30 anos e percebeu que a única coisa que sabia fazer, para além de fazer tricot, era ser cabelereira. Mas como a montra que diariamente leva em cima dos ombros nunca pareceu chamar noinguém para os seus serviços de cabeleireira, decidiu apostar no tricot. Com uma nuance (é viciada em nuances): o novelo de lã está na snaita. Soberbo! Que gigantesca idiotice esta. É o que eu digo: o Cash e o Armstrong juntam-se para bater umas bolas e há 127 mil pessoas que acham isto digno de ser visto. Uma gaja decide fazer tricot com o novelo na cona e há mais de 2 milhões de pessoas que não perdem pitada. Foda-se. Qualquer dia o Sporting é campeão.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Cash & Armstrong

São coisas como esta que nos fazem duvidar do futuro da humanidade. O Justin Bieiber limpa o olho de cima para baixo em vez de de baixo para cima e qualquer vídeo que faça referência a essa efeméride vai instanteamente às 750 milhões de views. Mas este vídeo, que junta dois monstros da música, dois monstros de tal magnitude que um gajo até duvida que sejam contemporâneos, e leva umas míseras 128 mil views. Tudo bem que, da mesma maneira que o facto de ter havido mais inscritos na Casa dos Segredo do que no acesso ao Ensino Sperior em 2013 deixa mal sobretudo os primeiros, quem fica mal nesta fotografia também são so que não viram este vídeo e papam tudo o que o Bieber faz. Fica dada assim a oportunidade de ficarem bem nesta fotografia.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Rose

Derrick Rose é um jovem de 25 anos, feitos no mês passado, natural de Chicago que joga basket na NBA para ganhar a vida. Foi a primeira escolha dos Chicago Bulls (e do draft, visto que os Bulls tinham a primeira escolha) no draft de 2008 e cedo demonstrou que seria uma referência para todos os fãs dos Bulls que, como eu, desde o final da década de 90 esperavam por um franchise player que voltasse a pôr os Bulls no topo da NBA. Rose cedo mostrou que, não só tinha tudo o que seria necessário do ponto de vista  técnico e físico, para ser esse jogador ansiado, como fê-lo como se nada fosse com ele, fazendo da discrição e da humildade palavras de uso obrigatório sempre que dele se fala. Nunca se lhe viu um grito mais enraivecido (perfeitamente justificável em determinadas ocasiões) de festejo depois de pontos conquistados, nem nunca se lhe conheceu qualquer gesto mais egocêntrico ou narcisista por se ter tornado na nova bandeira de Chicago e da NBA. A cara com que entra em campo é a mesma que apresenta quando sai depois de ter passado 48 minutos a abrir defesas ao meio e isso dá-lhe uma mística e uma aura que o torna especial. Parece que lida com a grandeza de forma natural e despretensiosa e isso, por si só, já me merece o mais profundo respeito. No ano de estreia, Rose, naturalmente, foi eleito o Rookie Of The Year, no ano seguinte foi selecionado para figurar no jogo All Star e no terceiro ano sagrou-se o mais novo MVP de sempre. Aos 22 anos. Aos 22 anos foda-se! Chicago já encomendava os foguetes com a perspectiva de voltar a dominar a NBA. Eu já esfregava as mãos de contente só com a ideia de voltar a ver os Bulls a varrerem. No primeiro jogo dos playoffs da época de 2011/2012 Rose apoia mal o pé e rebenta com os ligamentos cruzados do joelho esquerdo. Chicago chorou. Essa época morria nesse segundo e a época seguinte ficava seriamente comprometida já que o tempo da paragem numa lesão destas e num jogador que faz do contacto físico parte importante do seu jogo é sempre imprevisível. Perante isto Chicago preparou-se para mais um hiato de basket. A equipa daria o seu melhor enquanto ele estivesse fora, mas na certeza de que o melhor de uns Bulls sem Rose seria sempre insuficiente. Passaram os playoffs de 2011/2012, passou a fase regular de 2012/2013 e Rose foi dado como apto clinicamente, mesmo a tempo dos playoffs. Chicago acordou, mas logo adormeceu. No começo de todos os jogos de playoff dos Bulls, Rose integrava o aquecimento com os restantes colegas e, assim que terminava, ia para o balneário e já não voltava num exercício cujo único objetivo parecia ser deixar água na boca dos adeptos. Rose lá explicou depois de muitas críticas que para se estar recuperado é importante estar recuperado mentalmente também e ele queria ter a certeza que voltava bem e não tinha recaídas. Clubismos à parte, é no mínimo prudente que um gajo novo, com a carreira por fazer e a fortuna por receber, opte pelo caminho mais seguro. Tudo bem. O adepto, no final de contas, agradece. Entramos então nesta época, que se iniciou em Outubro. Rose mostrou-se em muito bom plano nos jogos de pré-época deixando um sorriso na boca daqueles que, 560 dias depois, voltaram a ver aqueles arranques que só ele consegue fazer, passando no meio de armários de 2 metros e 20 e sempre arranjando maneira de deixar a bola no aro. Para compensar o tempo perdido mostrava que as suas promessas de que tinha melhorado o seu tiro exterior (por ser a única coisa que podia treianr durante a lesão) até tinham algum fundamento. Mas a época não trouxe essa confirmação do regresso de Derrick Rose. Sim, estava a jogar, mas ainda era um Rose muito distante do verdadeiro Derrick Rose. Os arranques não saíam, o tiro exterior muito menos e os Bulls entraram com algumas derrotas inesperadas. Desde há duas semanas para cá as coisas pareciam estar-se a encaminhar. No fim de semana passado ganharam com autoridade aos Pacers (que contavam por vitórias todos os jogos até aí disputados) e seguiam já numa winning streak de 6 jogos. This is it! sussurravam a si mesmos os adeptos dos Bulls com as aparições fugazes do seu ídolo.

No sábado passado Derrick Rose numa jogada normal que nem era de ataque ao cesto deu um passo e o joelho direito cedeu. Outra vez. De onde estava já só saiu apoiado nos ombros dos médicos e do pavilhão só saiu de muletas. Foi operado há um par de horas e os Bulls anunciaram que falhará pelo menos esta época. Entre os 24 e os 26 anos Derrick Rose rebentou com os dois joelhos e foi sujeito a duas operações de reconstrução cuja fatura que deixam na longevidade de qualquer atleta é sempre alta. A carreira de Derrick Rose está agora em risco e isto é uma filha da putice tão grande que me apetece bater em alguém. Foi o que fiz. Bati no teclado.

Estou melhor por acaso. 

Estrugido

        Amanda era uma mulher forte. Não no sentido físico, mas interior. A sua infância fora marcada pela ausência dos pais, que morreram cedo, num desastre de carro. Fora criada por uma tia, viúva do mesmo desastre e com mais um filho da mesma idade de Amanda, a quem esta passou a chamar de irmão. A sua tia era lutadora e incutia nos miúdos esse espírito, mas nunca conseguira esquecer a angústia da sua sorte e, embora tentasse esconder das crianças esse facto, as rugas no seu rosto marcadas pelo cansaço de uma vida vivida sem algumas respostas evidenciavam esse lado mais sombrio. Amanda, apesar de não lhe ter herdado esse lado mais sombrio, era pessoa de esconder a sua própria dor. Não que deixasse essa dor guiar-lhe o dia, mas não conseguia evitar que a mesma lhe moldasse a maneira de ser. Amanda conseguia ser alegre e bem disposta e o seu sorriso doce e luminoso. No entanto, por vezes, fechava-se em si sem razão aparente e falava pouco, se pouco falassem com ela. Parecia resumir num momento toda a dor com que cresceu. E calava-se, à espera que passasse. Nunca fora de se queixar, muito menos de chorar. Odiava que tivessem pena dela e possuía um orgulho cego, que a própria sabia muitas vezes ser-lhe prejudicial. Um dia houve que Amanda estava na cozinha a cortar cebola e os seus olhos lacrimejavam em ardor. Quando o seu irmão entrou e a viu, perguntou-lhe preocupadamente o que se passava. Prontamente se virou e mostrando o que tinha na mão atirou:
        - Achas que estou a chorar?! Estou a cortar cebola. E é para o teu jantar, por isso, se queres comer, é melhor que te cales.
O irmão, surpreso, levantou as palmas da mão e disse-lhe, em jeito de desculpa, que não percebera a situação. E acrescentou, 
        - De qualquer maneira, se queres tanto que as pessoas não achem que choras enquanto cortas cebola, põe-na no frigorífico e verás que a cebola fria não te faz chorar. 
E assim foi. Amanda, desde então, coloca a cebola no frigorífico.
        Amanda é hoje uma mulher casada, com quatro filhos, um cão e uma casa grande e bonita nos subúrbios da cidade, daquelas casas que vemos nos filmes americanos, com o carro à porta, o jardim em redor e a chaminé a fumegar. Ao contrário da infância que tivera, onde nunca lhe faltara pão, mas a manteiga era incerta, Amanda vivia hoje uma boa vida, abastada, com um marido trabalhador, que a amava e que lhe dera os filhos que sempre quisera. Era uma mãe dedicada, empenhada e exemplar. Era carinhosa com os filhos, embora fosse capaz de deixar que o seu orgulho a influenciasse quando os miúdos tinham atitudes que não gostava. Ao contrário do marido que não deixava os filhos irem para a cama zangados com o pai, fosse de quem fosse a culpa, Amanda ainda tinha dificuldades em fazer esse gesto. Preferia deixar que o tempo fizesse as pazes por ela. Eram diferenças subtis entre um e outro, porque no dia a seguir tudo estava como dantes. Amanda acordava, olhava para as crianças com um olhar de reprimenda, para logo em seguida lhes dar um beijo e lhes entregar as mochilas para a escola. As crianças sabiam que era assim com a mãe e que era assim com o pai. Gostavam dos dois igual. No entanto, estranhavam a frieza daquela em algumas situações. Enquanto que o pai era um romântico, a mãe era mais passiva. As crianças estranharam a cara da mãe, por trás dos grandes óculos escuros, de cor preta, que lhe tapavam a expressão, no velório da sua tia. Por maior que o adereço seja, por expressão que tape, não escondem uns óculos um rosto que carpe. Os miúdos choravam por serem miúdos, o pai emocionava-se por eles, e Amanda, triste, mantinha como sempre a dor em si, não chorando, nem mostrando.
        A vida na casa ia-se adaptando ao passar da adolescência. Bolas, legos e carrinhos, foram sendo substituídos por livros, camisolas e mesadas. Os miúdos cresceram, as namoradas vieram. O mais velho entrou para a faculdade. Era bom aluno. Tão rápido, o primogénito, na faculdade - Amanda pensava à noite antes de dormir. O ano passou. E com ele, outro. Certo dia o rapaz diz aos pais que quer ir estudar para fora. Quer ir em Erasmus, para o Chile. Os pais não percebem porquê o Chile e porquê tão longe. A verdade é que, hoje, o mesmo mundo que ontem era grande e perigoso, deixou de ser grande. E a vida de um rapaz de vinte anos há muito que não pertence aos pais. Resta rezar para que o trabalho até aí feito tenha sido o melhor possível. E rezar para que nesses vinte anos, volvidos num abrir e fechar de olhos, as orientações dos pais sejam suficientes para que o rapaz, sozinho, possa enfrentar o mundo.
      E assim foi. O miúdo vai para o Chile. Os preparativos começam. Amanda ajuda-o com os papéis, compra-lhe roupa quente, prepara-lhe os remédios para levar por um ano, ajuda-o a encontrar uma casa para ficar. Chegado o dia, ajuda-o a fazer a mala, separa-lhe o dinheiro pelas várias bagagens, não vá ele perder alguma delas e ficar sem dinheiro algum, dá-lhe o passaporte, entrega-lhe um saquinho com mais do que comida suficiente para ir e voltar. Lá dentro, as sanduíches aparadas, como o seu filho gosta. Quando o rapaz vai a sair de casa, com o pai apressado para não perderem o avião, Amanda despede-se do filho com um beijo e pergunta-lhe se não se esqueceu de nada. Não vai entregá-lo ao aeroporto porque os outros miúdos tarda nada chegam e é preciso orientar os banhos, fazer o jantar. Amanda acena uma última vez antes do carro arrancar. Entra na casa vazia, silenciosa e apanha os brinquedos dos mais novos que ficaram espalhados pelo chão. Pergunta-se a si mesma se é assim tão difícil arrumarem as coisas quando acabam de brincar. Termina de pôr o quarto dos brinquedos em ordem e são seis da tarde. Amanda pensa no que vai fazer para o jantar. Segunda foi bolonhesa, ontem foi peixe, hoje pode ser arroz com almôndegas. Os miúdos gostam. Vai à cozinha e tira as almôndegas para descongelar. Em seguida, prepara o refogado para o arroz. Pega no alho e pousa-o na tábua de cortar. Corta-o bem fininho e atira-o para o tacho. Abre o frigorífico e tira a cebola. Amanda corta cebola com a mestria de uma dona de casa. 
        Lá fora, de mochila às costas, atravessando o jardim, o segundo filho mais novo chega da escola. Quando passa pela janela da cozinha, pára a ver a mãe, dentro de casa, a cortar cebola e a chorar compulsivamente.
   

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Saudade

Intróito: Este não é um texto bacoco de exaltação dos tugas. É só um texto de exaltação dos tugas. Porque o sou e porque tenho orgulho nisso. Bem sei que todos os povos são diferentes. Nem melhores, nem piores. Mas eu gosto dessas diferenças e gosto, sobretudo, das  idiossincrasias (ou seja, aquilo que nós temos e mais ninguém tem - porque todos os povos têm coisas que mais ninguém tem) que nos calharam em sorte. Assim, este texto é uma pequena e humilde ode às nossas idiossincrasias enquanto tugas.

           
        Há outros países com outras histórias para contar. Os EUA proclamam-se a maior das nações, em França reside a capital do amor, Itália alimenta o mundo com a sua cozinha, os ingleses falam a sua língua onde quiserem, os chineses existem à ordem de um para cada seis dos restantes terráqueos, e por aí em diante. Nós, os tugas, não queremos saber. Somos simples. Tanto formamos o maior império do mundo, como nos regozijamos com o recorde mundial de maior feijoada colectiva. Somos assim, sonhadores e ambiciosos, claro, mas sempre terra-a-terra, olhos nos olhos, sinceros de alma.
        Ontem, o maior do mundo - depois de ter estado noventa minutos ocupado a ser o melhor do mundo, no desporto mais jogado do mundo, onde marcou três golos debaixo da mira dos olhos do mundo -, do alto duma mística aura que paira sobre os seus ombros e de toda a veneração que conseguiu obter e merecer, do mundo, reduzindo-se à sua primária condição de mais um de nós, mais um dos tugas, consegue soltar um simples: “Ah, é verdade. Oh Onofre!!, pede a bola de jogo!”, após o jornalista tuga o alertar para o facto de ele se ter esquecido da bola com que marcou os três golos. Não fosse isto já pérola suficiente para nos encher as medidas, passado um minuto passa o cabrão do Onofre* e manda aquela bojarda em voz off: “Éjomaior do mundo, caralho!!”. O maior do mundo ri-se, com ar comprometido. Sim, sou o maior do mundo, mas este Onofre é fodido.
        Somos assim, gajos fixes. E um tuga é sempre um tuga e entre tugas não há cá merdas, é “eu cá, tu lá”. E é assim que tem de ser.
      





*não sei se era, de facto, o cabrão do Onofre quem gritou “Éjomaior do mundo, caralho!!”, mas, ainda que fosse outra pessoa, o texto manteria o mesmo sentido e, além disso, a história tem mais piada assim. Afinal, quem diz apenas a verdade, não merece ser escutado.

Parabéns Xando!


Tenho que treinar. Eu sei...

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Incognito vs. Martin

Dando sequência à série "Coisas-Sempre-Relacionadas-Com-Desporto-Nos-EUA-A-Que-Mais-Ninguém-Liga-Sem-Ser-Eu" hoje trago mais um brilhante texto sobre uma polémica que nasceu há uns dias na NFL, mais precisamente no balneário do Miami Dolphins. Resumindo e contextualizando: o jogador A (Jonathan Martin), novato na linha ofensiva dos Dolphins, farto de se sentir discriminado, gozado, posto de parte - numa palavra: bullyed -  pelos restantes membros da linha ofensiva da equipa, decidiu gritar "basta!" e pôs-se ao fresco, internando-se voluntariamente num hospital. Logo vieram a público um rol de sms que o jogador B (Richie Incognito) enviava ao jogador A, ameaçando-o e intimidando-o, apenas porque sim e, diz-se, porque os treinadores achavam Martin "soft" e, como tal, precisava de ser "enrijecido". O debate assumiu uma dimensão nacional e logo deambulou para o bullying e para as obrigações das equipas e da NFL em evitar que este tipo de situações ocorram num meio (o do futebol americano) em que a taxa de suicídio é alarmantemente alta.

Mas o que esta situação tem de especial, é que não estamos a falar do gordo com borbulhas da escola que é gozado pelos colegas, mas sim de homens de 100 quilos para cima, que fazem da agressividade e da intimidação o seu sustento. Talvez por isso, por estarmos num balneário de futebol americano, e não num parque de baloiços, a análise que os meios de comunicação, os atletas, treinadores, etc, fizeram inverteu os papéis que seriam normalmente atribuídos e fez do agressor a vítima e do agredido (quase) o agressor. Incognito deu uma entrevista, meticulosamente preparada, em que vestiu a sua melhor camisa aos quadrados (com as mangas para baixo, não fossem os braços cobertos de tatuagens dar uma ideia errada do santo que ali estava), apertou os botões todos até ao penúltimo, penteou o cabelo para o lado e, com uma candura e sensibilidade que nem o papa Francisco conseguiria igualar, lá disse que se alguma vez disse a Martin que ia matar a mãe dele, ou que o ia matar a ele, ou se o ignorou ou maltratou foi porque sempre foi o seu melhor amigo e nunca percebeu que lhe podia estar a fazer mal. Óbvio.


Está aqui um trabalho de relações públicas absolutamente flawless, justiça lhe seja feita. Apetece apanhar um avião até Miami, pegar em Incognito ao colo e embalá-lo até adormecer nos nossos braços. Felizmente ainda há cabeças que funcionam direito e, felizmente também, essas cabeças não só funcionam direito como têm a capacidade para pôr em palavras aquilo que as pessoas normais (onde me tento incluir sempre que posso) pensam. É o caso de Brian Phillips que escreve para o Grantland e que escreveu este texto que, no fundo, e depois de tanto intróito, era o que queria mostrar. Fica um excerto e o texto:

Because this — this idea that Jonathan Martin is a weakling for seeking emotional help — this is some room-temperature faux-macho alpha-pansy nonsense, and I am here to beat it bloody and leave it on the ground. Every writer who's spreading this around, directly or by implication; every player who's reaction-bragging about his own phenomenal hardness; every pundit in a square suit who's braying about the unwritten code of the locker room — every one of these guys should be ashamed of himself, and that's it, and it's not a complicated story.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Mike Rice


Há 7 meses atrás a ESPN pôs no ar estas imagens de Mike Rice num treino da sua equipa de basketball da Universidade de Rutgers e o mundo desportivo norte-americano indignou-se. Percebe-se facilmente porquê depois de se ver o vídeo. Esta semana o The New York Times faz uma peça tão longa quanto bem feita sobre a personagem Mike Rice. É uma peça exemplarmente feita, brilhantemente escrita, sobre o caminho até à redenção de uma pessoa que caiu em desgraça mas que só sabe fazer uma coisa na vida: treinar basketball. Vale a pena ler.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

João Vítor vai à guerra

João Vítor puxa o último bafo do seu cigarro antes de o atirar para o chão e pisar sobre o mesmo. No reflexo dos seus olhos vê-se um gavião a passar a asa por cima dela. A sua rola. A ave da sua vida. Naquele momento, ele sabe que a vida mudou. A angústia percorre-lhe o corpo mas não lhe muda o semblante. Enquanto a vê a ir, no que parece ser um caminhar feliz, sente a alma a arder. Pensa por um segundo no que poderia ter feito diferente. Nada, conclui. É um erro pensar que poderíamos ter feito algo diferente. O passado não se muda. É impossível mudá-lo. De que vale, então, pensar no que poderíamos ter feito? Se não o fizemos por alguma razão foi. João Vítor vê a ponta das penas da sua rola acabarem de dobrar a esquina do quarteirão e promete a si mesmo que aqueles pensamentos acabaram ali, com aquele cigarro que pisou. Arrependimentos são para os merdosos. As coisas acontecem, há que lidar com elas. Dá meia volta, acende outro cigarro e a sua mota leva-o para longe. Doze whiskeys depois, encostado ao bar, João Vítor atrai ave após ave, magnetizadas pelo seu charme de pinguim vivido. Olhar indiferente, palavras acutilantes, mistério, confiança, tudo em João Vítor é natural, mas incrivelmente sedutor. Eles temem-no, elas não lhe resistem. Nessa noite, João Vítor já só pensa em tudo o que vai fazer com a milhafre que sacou. Ele sabe que a perda de um amor se cura com a conquista de outro. Rapidamente estará de novo no seu melhor. Leva-a para casa. A milhafre não o desaponta. João Vítor tem uma noite como há muito não tinha. E o melhor é que ela não pode ficar. João Vítor leva-a até ao elevador. Enquanto ouve o descer das máquinas, sente-se bem por estar a fazer o certo para esquecer o que já lá vai. Vai ao quarto buscar um cigarro, dirige-se à varanda e vê a ave entrar no táxi. Sente-se aliviado por poder dormir sozinho. Fuma. As lágrimas caem-lhe umas a seguir às outras.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Discurso de perdão do Diabo para o Mundo

Fui a dor dos que choram. O vermelho dos que sangram.

Fui a vaidade dos que se admiram. A inveja dos que cobiçam.

Fui intolerância. Fui egoísmo. Fui tristeza.

Fui a razão por trás da dor do mundo. Fui a guerra, fui o cancro, fui o azar.

Fui tudo isso e muito menos.

Não fui aceitação nem compreensão. Generosidade nem dedicação.

Nunca fui perdão.

Encontrei no divino a razão da minha existência. Na sua missão a minha contra-missão. Porque um mundo que desconhece o mal é um mundo que não sabe o que é o bem. Um mundo onde os homens apenas são capazes de amar, onde a inveja ou a crueldade são apenas letras postas de seguida de maneira aleatória, é um local sem luz. Ela só existe quando a escuridão não se lhe sobrepõe, da mesma forma que apenas há coragem se o medo e a cobardia não lhe levarem a melhor.

Sem rejeição a aceitação não existe. Sem se conhecer o insulto não se sabe o que é o respeito. Sem o homem mau, o homem bom é apenas homem. Semear a escuridão foi a minha função, e talvez o mundo visse a luz. Incutir o desprezo, a traição e a violência foi a minha missão e talvez assim o Homem descobrisse o respeito, a lealdade e a paz.

Descobriu. Não se rendeu.

A minha função está esgotada. A missão usurpada. Fui substituído com o afinco e a competência próprias de quem o faz de forma natural. Inata. Não sou necessário. O homem encarrega-se hoje de dar sentido à ordem em que estão alinhadas as letras que compõem as tantas vezes repetidas guerra. Fome. Fim.

O Homem mata, maltrata, suga. Fá-lo porque sim. Fá-lo porque não. Fá-lo para comer. Para se deslocar. Para viver. Fá-lo porque alguém o fez crer que era a única forma de viver. Eu.

Fui o mal que invade o Homem. Tornei-o no mal que castiga o vosso mundo.


Perdão. Sou Homem.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

hoje foi ao som disto, que me levou a isto

Escrevi o texto em baixo há dois anos, quando descobri este som. Hoje alguém me enviou o som em jeito de "lembras-te disto?". Não me lembrava. Às vezes é bom um gajo esquecer-se das merdas. Há merdas que merecem ser esquecidas, só para que possam ser descobertas outra vez.


O alarme berrava e já ninguém ouvia o alarme a berrar. A campainha, estridente e incansável, já fazia parte do som ambiente a que os ouvidos, viciados, se habituaram. O ar ondulante, que fazia a linha do horizonte oscilar de cima para baixo e de baixo para cima, desfocava a visão e invadia os pulmões de quem o permitia, devolvendo uma tosse desesperada. O desespero estava na tosse, nos olhos, no ar, no alarme que berrava mas já não se ouvia. Cada inspiração trazia uma força avassaladora que empurrava as têmporas, como se quisesse juntá-las. O som do crânio a estalar não se ouvia. Já nada se ouvia. Antes, já os joelhos tinham atingido o chão e as mãos a cabeça, puxando os cabelos com toda a força que restava para aliviar a dor. Mesmo não cedendo à força compressora que sobre si era exercida, o cérebro apagava-se em lenta agonia. A tosse trazia agora consigo restos de um organismo que capitulava sem dar luta para além daquela que só o tempo consegue dar. Quatro minutos de luta. Perdida. Sempre.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A tosquia das girafas

Hoje um amigo meu falou-me de uma empresa nova. Esta empresa auto-proclama fazer tudo. Fazem tudo! É só mandar um e-mail com o que queremos que eles enviam de volta outro e-mail com orçamento e prazo.

O site deles (http://fazemostudo.com/) é simplesmente isto:


Depois de ver isto, mesmo mais atarefado que um anão no Natal, decidi mandar-lhes o seguinte e-mail, só a ver no que dava:






"Boa tarde,

Tenho uma girafa em casa e gostaria de saber qual o orçamento e prazo
para me raparem a bicha. Mais informo que tenho um casamento no dia 5
de Outubro lá em casa e queria ter a girafa pronta até essa data, pois
a mesma vai trabalhar no valet.

Fico a aguardar resposta.

Melhores cumprimentos,
  
Lourenço Sousa Machado"

Passado meia hora, obtenho a seguinte resposta:

"Caro Lourenço,

Anexamos o orçamento para o trabalho solicitado.

Melhores cumprimentos


--
fazemos tudotudo
"

E anexam-me o seguinte orçamento (carreguem na imagem para ver melhor):




Em seguida, um dos meus amigos, que estavam no e-mail em bcc, retorque simplesmente:

"Muito profissionais. Mas pelo preço compramos mais uma girafa."

Ao que eles respondem:

"Carissimos senhores,

Nós só apregoamos fazer tudo. Não dizemos que somos baratos.
De qualquer forma verifique se por esse preço consegue uma girafa já devidamente rapada.

Melhores cumprimentos

--
fazemos tudotudo
"

Acabo a rematar a edificante tertúlia com:

"Agradeço o envio do orçamento, mas está um pouco fora do que eu
pensava desembolsar. Provavelmente faço-lhe umas tranças e aquilo
disfarça.

Obrigado pela disponibilidade, no entanto.

Melhores cumprimentos,

Lourenço Sousa Machado
"

Fui buscar lã, mas também saí tosquiado. Ainda bem!


Assim se fazem histórias para contar.



quinta-feira, 19 de setembro de 2013

João Vítor vai ao Lux

João Vítor abre os olhos de uma vez. Sem norte, sente uma dor de cabeça, a boca seca e o cheiro a tabaco impregne na roupa com que dormiu. Leva as mãos à cabeça e jura nunca mais beber, quanto mais fumar. Chega a jurar mudar de vida. Ao seu lado, de costas para ele, uma pomba que não conhece. Vocifera mentalmente por mais um engate manhoso. Questiona-se como pôde tocar naquela ave, feia, fácil, flácida. Não a acorda. Por ele, dormia eternamente. Levanta-se da cama e arrasta as patas até à cozinha. Abre o friglu: nada! Uma lata de fanta, laranja, deitada e vazia. Na gaveta de baixo, uma cerveja e duas sardinhas. Comestíveis, mas a pedirem substituição. Não lhe apetece comida normal. Tira a cerveja, fecha o friglu e atrás da porta, um maço que lhe tinha escapado. Encolhe os ombros, saca de um cigarro e abre a cerveja. Faz uma pesquisa sem foco na net, lê uns jornais, fecha e abre sites, fuma, bebe. O seu vagueio mental é interrompido por um breve arrulho. A Cláud... , Susan... , a pomb... , ela!, acorda. João Vítor, decidido, e um pinguim de palavra e convicções fortes, acaba a cerveja, dá o último bafo, levanta-se, dirige-se ao quarto, pega nos lençóis e enfia-se na cama outra vez, para uma outra vez.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

tyson

O único período da minha vida em que prestei alguma atenção ao boxe foi com Tyson (hoje em dia gosto de saber o que se passa com Manny Pacquiao e o eternamente adiado combate com Floyd Mayweather, mas nunca vi um combate quer de um quer de outro). Não posso dizer que fosse um fanático de Tyson, até porque era bastante novo quando ele foi campeão do mundo, mas lembro-me de acompanhar o trajeto dele com interesse e de ter visto o combate com Hollyfield, que ditou o definitivo declínio de Tyson (o famoso episódio da mordidela de orelha). Sempre foi por isso uma personagem que segui com interesse, não só pelo seu trajeto desportivo, mas também pelos inúmeros episódios da vida privada que foram contribuindo para a tese de que fosse qual fosse o caminho, o destino não seria bonito.

Já não ouvia falar dele há um tempo, até que há uns dias dei com este vídeo em que ele se confessa para uma plateia que estava sentada para assistir à apresentação do seu primeiro combate enquanto promotor e acabou de pé a aplaudi-lo, pelo momento de sinceridade e entrega que tinha acabado de ter. Hoje deparei-me com a entrevista abaixo, feita já na sequência da conferência de imprensa e que fez re-acender a curiosidade que sentia por ele. Parece-me um gajo interessante, que luta com problemas muito sérios do foro psicológico mas que, no fundo, parece-me ser boa pessoa. Ficam os vídeos para quem partilhe do mesmo "fascínio" pela personagm, que este vlogue já teve férias que chegue.




PS: Até parece mal pôr este monstro com tatuagens tribaias na fronha a seguir ao anjo de baixo, mas antes isto que nada.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

My new Aniston

Este desenho que Ele fez e deixou cair do céu,



mais esta atitude de "gaja sem merdas"



fazem-na praticamente imbatível. My new Aniston.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

No other way

A dívida externa não se paga. Disse, talvez por outras palavras, o filho da puta - que é normalmente apelidado, porventura quando há senhoras de respeito em redor, por Sócrates.

Concordo, a dívida é impossível de pagar. Pensei, então, para mim, enquanto roçava meu amaciado turco por espalda acabada de banhar, “Se não vamos pagar, mais vale sair do euro, cagar nestes gajos e cá nos governamos entre nós, no mercado interno.”. Logo pensei que isto não é possível num país que não seja auto-suficiente (ou que seja dependente), como é o nosso caso. E não digo isto porque ache que nenhum país dependente possa ter as contas em dia. Isso é possível. Esquecendo a dívida e partindo do zero, se eu tenho milho e preciso de gasolina e azeite, basta-me, para ter as contas certinhas, produzir milho suficiente para que a exportação deste pague a importação daqueles. Puerilmente explicado, é isto que se passa.

No entanto, o nosso caso é diferente. Nós somos dependentes e não temos as contas em dia. Quer isto dizer que se um dia disséssemos simplesmente “Não pagamos!” (como certos rénios já o propuseram) e voltássemos ao nosso escudinho, basicamente estávamos fodidos. A palavra é esta: fodidos. Não porque a dívida aumentaria para níveis perto do dobro (porque a nossa moeda não valeria nada), pois a partir do momento em que a intenção é não pagar, tanto faz se a dívida é 10 ou 20. O que aconteceria, pensando em termos práticos, era muito simples:

“Ai os Tugas não pagam? Ai é?! Ok, muito me contam.” – diz a Dona Germânia.

E levantando-se da mesa, bate repetidamente com a colher no copo e diz o seguinte:

“- Malta fixe!! Peço atenção!! Oi, atenção!!! Gália foda-se, estou a tentar falar!!!!
- Peço desculpa chefe, é que a Romana e a Britânia estão a dizer que eu cheiro mal.
- Já te expliquei que perfume não é sabão, Gália. Depois admiras-te. Enfim, adiante!
- A partir de hoje ninguém faz turismo em Portugal! Ninguém lhes vende os nossos produtos, nem ninguém lhes presta qualquer tipo de serviço. Escusado será dizer que ninguém lhes compra nada. Quer dizer, até podem comprar, desde que não paguem.”

E cá ficaríamos nós, abandonados à cortiça e aos sapatos, acumulando stocks de rolhas e solas até o último fechar a porta. 

E isto numa versão bem soft, da história.

Ou seja, não há outra saída que não a de pagar o que devemos. Mesmo que não se pague o capital, pois todos sabemos que é impossível, pagam-se os juros. E com isto ainda há dinheiro e economia. No entanto, (i) se a única solução é pagarmos, porque precisamos dos credores, e (ii) se para nos endireitarmos, de maneira a poder pagar, precisamos de mais dinheiro emprestado, então (iii) resta-nos sujeitarmo-nos às regras de quem nos empresta dinheiro. E essas regras, como já vimos, vão no sentido da austeridade. Neste momento não temos autonomia. Temos directivas para cumprir e muito pouco poder discricionário para as atingir. O caminho que nos dão é muito estreito e não permite grandes passos para o lado.

As palavras de um amigo meu, no seguimento das demissões de Gaspar e Portas, resumem bem o que quero dizer:

“O mercado ontem disse que sem austeridade, com desgoverno e abandono do caminho que levamos, num só dia tornamo-nos infinanciáveis, os nossos bancos tornam-se ingeríveis e o Estado ingovernável.”.

Não é uma questão de ser de direita, de centro ou de esquerda, é uma questão de ser realista. Sem o que temos vindo a fazer é isto que acontece: o caos! Ponto final.


por Lourenço Cordeiro

terça-feira, 25 de junho de 2013

(Agora) o Morales escreve

Segunda jornada. Desci um lugar na tabela e ocupo agora o terceiro lugar. O próximo parto terá de ser uma cesariana a ferros, mas pode ser que saia. A ver vamos. (Fica o vencedor da semana).
Imagine o encontro entre um carro velho e o carro novo que o vai substituir.

Há muito que o Fusco se vinha queixando. Amuava por tudo e por nada e já não alinhava nas andanças de outros tempos. Idas noturnas à Vasco da Gama já não eram mais do que uma memória distante, ainda que saudosa, e só nas tardes de domingo é que se sentia verdadeiramente confortável.
Os semáforos da 24 de julho, onde ainda se permitia puxar pelo ponto morto, ainda que hoje isso não passasse de uma ameaça vazia de convicção. Os jardins em frente aos Jerónimos onde o sol no capot oferecia a temperatura perfeita para os quadrados encarnados e brancos que compunham o xadrez da toalha que sempre o cobria. E, para terminar em beleza, numa espécie de homenagem ao Fusco de outros tempos, a subida alucinante em direção ao Jamor, sempre a roçar os 90, com os plátanos da Pierre de Coubertin a fazerem as vezes do público que naquele passado longínquo, quando o ponteiro se atrevia a fazer o triplo da viagem, o aplaudia. Aqueles plátanos, milimetricamente espaçados, como que à espera do espetáculo que o Fusco dava todos os domingos, eram testemunhas de que a idade não o tinha quebrado. Apenas amolecido.

Mas mesmo o que amolece morre. Fá-lo de forma graciosa primeiro. Súbita quando se dá o baque.

Na chegada a casa percorreu, como sempre fez, os dois trilhos rasgados na relva pelo tempo e pela repetição. O ligeiro declive do terreno poucos centímetros antes da grande porta de metal, outrora verde tropa, agora numa mescla de cinzento escuro e verde teimoso marca a distância a respeitar para que se abrisse. Hoje o declive ficou para trás. O exato local onde Fusco sempre pôs os pés da frente antes de entrar em casa, qual cão amestrado, estava agora ultrapassado. Foi como se sentiu. Naquele momento mais do que em qualquer outro.

Está aí alguém?

Sim! Eu! Estou aqui dentro!! Quem és tu?

(Baque!)

O entusiasmo e a jovialidade próprios daquilo que é novo e moderno bateram com a força de uma bigorna em queda livre. Nesse momento o Fusco deixou de ser.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

o azar da azarenka



Algumas notas sobre este triste vídeo. 1) aquela direita portentosa que parece ter apanhado a azarenka em contrapé e destruído o azarado joelho da azarenka é propriedade da tuga Maria João Koehler; 2) toda a gente achou que era fita da azarenka ou não tinham demorado três horas a socorrer a azarenka; 3) o apanha-bolas achou que era fita da azarenka ou não tinha passado o vídeo de raquete estendida; 4) o mano que aparece na bancada aos 1:10 é namorado da azarenka e, sim, é este gajo; 5) a azarenka ganhou o jogo.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Agora o Morales escreve

Num daqueles momentos de loucura temporária por que às vezes todos passamos, decidi inscrever-me nesta coisa e testar os meus dotes de criatividade na escrita. São só 35 biscas e um gajo sempre se ocupa a fazer algo de que gosta (embora na maioria do tempo me sinta uma grávida em pleno trabalho de parto). Para grande surpresa minha, jogada que está a primeira jornada da competição, dou por mim - qual pardal a encher o bandulho com aquele milho inaugural - a partilhar a vice-liderança com outros dois "criativos" e a cheirar o cu da Joana que lidera a contenda. Não escondo a felicidade e como, não só não escondo, como faço questão de a berrar a todos quantos a queiram ouvir, fica o primeiro texto que escrevi. Farei por me manter na competição (o texto desta semana está-se a revelar um parto ainda mais dificil) e, se o conseguir, trá-los-ei até aos ilustres que por aqui vão passando. Espero que gostem. O desafio consistia em montar um texto de não mais de 400 palavras, utilizando a frase em negrito.

A carta estava pousada em cima da mesa e estava, estranhamente, assinada por ela. Ao lado, virado ao contrário, como que atirado ao abandono, o gancho em madrepérola. Naquela noite a dois, quando os dez anos de casamento ainda se encarregavam de nos encher os copos de vinho e os gestos de cumplicidade, o gancho em madrepérola da minha bisavó Beta, colocado discretamente em cima da mesa de jantar, fez nascer lágrimas nos olhos dela. Poucos anos passaram e são os meus olhos que estão molhados com aquela mesma visão de um gancho, de mulher, em cima da mesa. Deixado. Mas o desdém que o gancho gritava, parecia um pormenor sem importância ao lado daquela última linha da carta. O “Josefina” com que ela a rematava, ficou cravado na minha memória. Foi a primeira palavra que os meus olhos encontraram e, nesse momento, senti que era o fim. Nunca tinha sentido a necessidade de se identificar num recado deixado. Um recado entre almas gémeas não carece de introduções nem de identificações. Um recado entre nós sempre foi próximo. Sempre foi cúmplice. Sempre foi telegráfico. É assim que deve ser. O verdadeiro amor quer-se subentendido e não declarado, como tantas vezes nos dizem. “A torneira da casa de banho continua a pingar...”. Onde vejo enfado, via amor. “Tive que voltar para o escritório. Não tive tempo de fazer o jantar”. Assim. Sem um “olá” a introduzir, porque o que já é não precisa de ser introduzido, e sem o “Josefina”, porque o que perdura não se interrompe. Aquele ato de assinar uma carta dirigida a quem a conhece como eu revelava uma distância que já não era distância. Era indiferença. Afinal, nada consegue separar mais duas pessoas do que a indiferença. E aquelas oito letras pregadas no final do recado, que afinal não era recado e era carta, deixavam claro o que nos restava. Uma súbita e insanável indiferença.