terça-feira, 18 de junho de 2013

Agora o Morales escreve

Num daqueles momentos de loucura temporária por que às vezes todos passamos, decidi inscrever-me nesta coisa e testar os meus dotes de criatividade na escrita. São só 35 biscas e um gajo sempre se ocupa a fazer algo de que gosta (embora na maioria do tempo me sinta uma grávida em pleno trabalho de parto). Para grande surpresa minha, jogada que está a primeira jornada da competição, dou por mim - qual pardal a encher o bandulho com aquele milho inaugural - a partilhar a vice-liderança com outros dois "criativos" e a cheirar o cu da Joana que lidera a contenda. Não escondo a felicidade e como, não só não escondo, como faço questão de a berrar a todos quantos a queiram ouvir, fica o primeiro texto que escrevi. Farei por me manter na competição (o texto desta semana está-se a revelar um parto ainda mais dificil) e, se o conseguir, trá-los-ei até aos ilustres que por aqui vão passando. Espero que gostem. O desafio consistia em montar um texto de não mais de 400 palavras, utilizando a frase em negrito.

A carta estava pousada em cima da mesa e estava, estranhamente, assinada por ela. Ao lado, virado ao contrário, como que atirado ao abandono, o gancho em madrepérola. Naquela noite a dois, quando os dez anos de casamento ainda se encarregavam de nos encher os copos de vinho e os gestos de cumplicidade, o gancho em madrepérola da minha bisavó Beta, colocado discretamente em cima da mesa de jantar, fez nascer lágrimas nos olhos dela. Poucos anos passaram e são os meus olhos que estão molhados com aquela mesma visão de um gancho, de mulher, em cima da mesa. Deixado. Mas o desdém que o gancho gritava, parecia um pormenor sem importância ao lado daquela última linha da carta. O “Josefina” com que ela a rematava, ficou cravado na minha memória. Foi a primeira palavra que os meus olhos encontraram e, nesse momento, senti que era o fim. Nunca tinha sentido a necessidade de se identificar num recado deixado. Um recado entre almas gémeas não carece de introduções nem de identificações. Um recado entre nós sempre foi próximo. Sempre foi cúmplice. Sempre foi telegráfico. É assim que deve ser. O verdadeiro amor quer-se subentendido e não declarado, como tantas vezes nos dizem. “A torneira da casa de banho continua a pingar...”. Onde vejo enfado, via amor. “Tive que voltar para o escritório. Não tive tempo de fazer o jantar”. Assim. Sem um “olá” a introduzir, porque o que já é não precisa de ser introduzido, e sem o “Josefina”, porque o que perdura não se interrompe. Aquele ato de assinar uma carta dirigida a quem a conhece como eu revelava uma distância que já não era distância. Era indiferença. Afinal, nada consegue separar mais duas pessoas do que a indiferença. E aquelas oito letras pregadas no final do recado, que afinal não era recado e era carta, deixavam claro o que nos restava. Uma súbita e insanável indiferença.

3 comentários:

Xadão disse...

Gosto mais do teu texto. A Joana enxertou a frase no fim do texto como quem empurra a última batata do super guilty ao som do toque final.

Vá fudê!!

RT disse...

Confere. Votaria morales na dita contenda!

Morales disse...

Vcs assim deixam-me sem jeito...

Embora concorde que a frase, no texto dela, parece um bocado deslocada, acho ainda assim o texto dela melhorzinho. Mas é muito subjetivo. Já li outro texto que tb entrou e que, para mim, dá 10 a 0 ao meu e ficou atrás de mim. Gostos...