sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Discurso de perdão do Diabo para o Mundo

Fui a dor dos que choram. O vermelho dos que sangram.

Fui a vaidade dos que se admiram. A inveja dos que cobiçam.

Fui intolerância. Fui egoísmo. Fui tristeza.

Fui a razão por trás da dor do mundo. Fui a guerra, fui o cancro, fui o azar.

Fui tudo isso e muito menos.

Não fui aceitação nem compreensão. Generosidade nem dedicação.

Nunca fui perdão.

Encontrei no divino a razão da minha existência. Na sua missão a minha contra-missão. Porque um mundo que desconhece o mal é um mundo que não sabe o que é o bem. Um mundo onde os homens apenas são capazes de amar, onde a inveja ou a crueldade são apenas letras postas de seguida de maneira aleatória, é um local sem luz. Ela só existe quando a escuridão não se lhe sobrepõe, da mesma forma que apenas há coragem se o medo e a cobardia não lhe levarem a melhor.

Sem rejeição a aceitação não existe. Sem se conhecer o insulto não se sabe o que é o respeito. Sem o homem mau, o homem bom é apenas homem. Semear a escuridão foi a minha função, e talvez o mundo visse a luz. Incutir o desprezo, a traição e a violência foi a minha missão e talvez assim o Homem descobrisse o respeito, a lealdade e a paz.

Descobriu. Não se rendeu.

A minha função está esgotada. A missão usurpada. Fui substituído com o afinco e a competência próprias de quem o faz de forma natural. Inata. Não sou necessário. O homem encarrega-se hoje de dar sentido à ordem em que estão alinhadas as letras que compõem as tantas vezes repetidas guerra. Fome. Fim.

O Homem mata, maltrata, suga. Fá-lo porque sim. Fá-lo porque não. Fá-lo para comer. Para se deslocar. Para viver. Fá-lo porque alguém o fez crer que era a única forma de viver. Eu.

Fui o mal que invade o Homem. Tornei-o no mal que castiga o vosso mundo.


Perdão. Sou Homem.

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