Fui a dor dos que choram. O vermelho dos que
sangram.
Fui a vaidade dos que se admiram. A inveja dos que
cobiçam.
Fui intolerância. Fui egoísmo. Fui tristeza.
Fui a razão por trás da dor do mundo. Fui a guerra,
fui o cancro, fui o azar.
Fui tudo isso e muito menos.
Não fui aceitação nem compreensão. Generosidade nem
dedicação.
Nunca fui perdão.
Encontrei no divino a razão da minha existência. Na
sua missão a minha contra-missão. Porque um mundo que desconhece o mal é um
mundo que não sabe o que é o bem. Um mundo onde os homens apenas são capazes de
amar, onde a inveja ou a crueldade são apenas letras postas de seguida de
maneira aleatória, é um local sem luz. Ela só existe quando a escuridão não se
lhe sobrepõe, da mesma forma que apenas há coragem se o medo e a cobardia não
lhe levarem a melhor.
Sem rejeição a aceitação não existe. Sem se
conhecer o insulto não se sabe o que é o respeito. Sem o homem mau, o homem bom
é apenas homem. Semear a escuridão foi a minha função, e talvez o mundo visse a
luz. Incutir o desprezo, a traição e a violência foi a minha missão e talvez
assim o Homem descobrisse o respeito, a lealdade e a paz.
Descobriu. Não se rendeu.
A minha função está esgotada. A missão usurpada.
Fui substituído com o afinco e a competência próprias de quem o faz de forma
natural. Inata. Não sou necessário. O homem encarrega-se hoje de dar sentido à
ordem em que estão alinhadas as letras que compõem as tantas vezes repetidas
guerra. Fome. Fim.
O Homem mata, maltrata, suga. Fá-lo porque sim.
Fá-lo porque não. Fá-lo para comer. Para se deslocar. Para viver. Fá-lo porque
alguém o fez crer que era a única forma de viver. Eu.
Fui o mal que invade o Homem. Tornei-o no mal que
castiga o vosso mundo.
Perdão. Sou Homem.
1 comentário:
Deep shit.
Gosto!
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