segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Durante 30 anos




Há músicas que valem por si mesmas. Outras que valem pela história que as trouxe aos nossos ouvidos. Depois há aquelas que conseguem juntar uma e outra característica. Essas são aquelas que nos tocam noutros sítios para além dos ouvidos. Tocam-nos na alma. E deixam-nos mais ricos. Sixto Rodriguez não é Bob Dylan. Não é. Podia ser. Rodriguez tem hoje 70 anos. Aos 28 lançou o seu primeiro álbum e no ano seguinte aventurou-se com o segundo. Aventurou-se. Como em qualquer aventura, tentou a sua sorte, ambicionando o reconhecimento, temendo o fracasso. É sobre essa distância que separa o fracasso do reconhecimento que a história de Rodriguez nos ensina uma valiosa lição.

Durante 30 anos o cantor de ascendência mexicana viveu uma vida de fracassado, desconhecendo que tinha atingido o reconhecimento. Durante 30 anos foi confundido nas ruas da sua Detroit natal com um sem abrigo que se passeava de guitarra às costas sem destino, sem propósito, para além do propósito que inconscientemente se associa a um sem abrigo. Sobreviver. Durante 30 anos o próprio Rodriguez confundiu-se com um fracassado. Encarou a pobreza com uma altivez que nem o mais rico dos homens conseguiria ostentar. Como se houvesse uma relação entre a riqueza da conta bancária e a riqueza de espírito. Rodriguez é a prova viva de que não há.

Rodriguez nunca foi um sem abrigo. Durante 30 anos viveu numa casa dos subúrbios de Detroit, de onde saía para trabalhar na construção civil, e onde se aquecia nas noites mais frias numa lareira improvisada no chão da sala. Durante 30 anos viveu a mentira de ser um artista falhado. Durante 30 anos viu o reconhecimento passar-lhe ao lado. O que Rodriguez nunca soube a não ser quando já estava quase no fim de vida é que tinha vendido mais de meio milhão de cópias dos seus longínquos discos. Nunca lhe enviaram um disco de platina. Nem de ouro. Nunca lhe enviaram nada. Durante 30 anos a sua voz foi ouvida centenas de meio milhão de vezes num local que ele nunca teria imaginado se lho pedissem. A África do Sul deu-lhe o reconhecimento que ele merecia ainda que ele nunca o soubesse. Até que soube.

Ao país onde era venerado tinha chegado a notícia de que ele se tinha suicidado, imolando-se pelo fogo em pleno palco. Fazia sentido. Um artista que não era reconhecido não tinha conseguido lidar com essa falta de reconhecimento. Não seria a primeira vez e certamente que não seria a última. Até que um sueco, um homem natural da Suécia, com a ambição de encontrar uma história, encontrou a história de Sixto Rodriguez. Mais importante que isso, encontrou Sixto Rodriguez que, por sua vez encontrou a África do Sul que o venerava.

30 anos depois de ter gravado o seu último álbum, Rodriguez foi recebido em Cape Town com honras e limusinas que julgava serem para outra pessoa qualquer. Outra pessoa que já tivesse encontrado o reconhecimento. Nunca para ele, pois ele nunca o tinha visto de perto, e não seria na África do Sul que o encontraria. No primeiro concerto na África do Sul, em vez das esperadas 30 ou 40 pessoas, encontrou 5 mil almas ávidas de o verem e, só depois, de o ouvirem. Durante 10 minutos aplaudiram-no de pé e, só depois de esfregarem os olhos, e terem a certeza que estavam perante uma verdadeira ressurreição o deixaram cantar. E então, cantaram com ele.

A história de Sixto Rodriguez ensina-nos que, na vida, o fracasso e o reconhecimento andam de mãos dadas. Ensina-nos que apenas o fracasso é garantido e que o reconhecimento, esse, nunca é alcançado. Tarde ou cedo, é ele que nos alcança.

(A história de Sixto Rodriguez é muito melhor contada neste vídeo, do que nas linhas acima e eu recomendo que o vejam. A história de Sixto Rodriguez pode ser ouvida aqui. E eu recomendo que a oiçam.)

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