quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

E esta, hein?

Acabei de ver um par de pernas absolutamente épico de uma mulher cujo nome nunca saberei, um labrador com um açaime e uma notícia que dava o James Woods como o sexto homem mais inteligente do Mundo.

A Terra é um lugar curioso.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Durante 30 anos




Há músicas que valem por si mesmas. Outras que valem pela história que as trouxe aos nossos ouvidos. Depois há aquelas que conseguem juntar uma e outra característica. Essas são aquelas que nos tocam noutros sítios para além dos ouvidos. Tocam-nos na alma. E deixam-nos mais ricos. Sixto Rodriguez não é Bob Dylan. Não é. Podia ser. Rodriguez tem hoje 70 anos. Aos 28 lançou o seu primeiro álbum e no ano seguinte aventurou-se com o segundo. Aventurou-se. Como em qualquer aventura, tentou a sua sorte, ambicionando o reconhecimento, temendo o fracasso. É sobre essa distância que separa o fracasso do reconhecimento que a história de Rodriguez nos ensina uma valiosa lição.

Durante 30 anos o cantor de ascendência mexicana viveu uma vida de fracassado, desconhecendo que tinha atingido o reconhecimento. Durante 30 anos foi confundido nas ruas da sua Detroit natal com um sem abrigo que se passeava de guitarra às costas sem destino, sem propósito, para além do propósito que inconscientemente se associa a um sem abrigo. Sobreviver. Durante 30 anos o próprio Rodriguez confundiu-se com um fracassado. Encarou a pobreza com uma altivez que nem o mais rico dos homens conseguiria ostentar. Como se houvesse uma relação entre a riqueza da conta bancária e a riqueza de espírito. Rodriguez é a prova viva de que não há.

Rodriguez nunca foi um sem abrigo. Durante 30 anos viveu numa casa dos subúrbios de Detroit, de onde saía para trabalhar na construção civil, e onde se aquecia nas noites mais frias numa lareira improvisada no chão da sala. Durante 30 anos viveu a mentira de ser um artista falhado. Durante 30 anos viu o reconhecimento passar-lhe ao lado. O que Rodriguez nunca soube a não ser quando já estava quase no fim de vida é que tinha vendido mais de meio milhão de cópias dos seus longínquos discos. Nunca lhe enviaram um disco de platina. Nem de ouro. Nunca lhe enviaram nada. Durante 30 anos a sua voz foi ouvida centenas de meio milhão de vezes num local que ele nunca teria imaginado se lho pedissem. A África do Sul deu-lhe o reconhecimento que ele merecia ainda que ele nunca o soubesse. Até que soube.

Ao país onde era venerado tinha chegado a notícia de que ele se tinha suicidado, imolando-se pelo fogo em pleno palco. Fazia sentido. Um artista que não era reconhecido não tinha conseguido lidar com essa falta de reconhecimento. Não seria a primeira vez e certamente que não seria a última. Até que um sueco, um homem natural da Suécia, com a ambição de encontrar uma história, encontrou a história de Sixto Rodriguez. Mais importante que isso, encontrou Sixto Rodriguez que, por sua vez encontrou a África do Sul que o venerava.

30 anos depois de ter gravado o seu último álbum, Rodriguez foi recebido em Cape Town com honras e limusinas que julgava serem para outra pessoa qualquer. Outra pessoa que já tivesse encontrado o reconhecimento. Nunca para ele, pois ele nunca o tinha visto de perto, e não seria na África do Sul que o encontraria. No primeiro concerto na África do Sul, em vez das esperadas 30 ou 40 pessoas, encontrou 5 mil almas ávidas de o verem e, só depois, de o ouvirem. Durante 10 minutos aplaudiram-no de pé e, só depois de esfregarem os olhos, e terem a certeza que estavam perante uma verdadeira ressurreição o deixaram cantar. E então, cantaram com ele.

A história de Sixto Rodriguez ensina-nos que, na vida, o fracasso e o reconhecimento andam de mãos dadas. Ensina-nos que apenas o fracasso é garantido e que o reconhecimento, esse, nunca é alcançado. Tarde ou cedo, é ele que nos alcança.

(A história de Sixto Rodriguez é muito melhor contada neste vídeo, do que nas linhas acima e eu recomendo que o vejam. A história de Sixto Rodriguez pode ser ouvida aqui. E eu recomendo que a oiçam.)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

É preciso dizer tudo...

Jura

 Rui Veloso


Jura que não vais ter uma aventura
Dessas que acontecem numa altura
E depois se desvanecem
Sem lembrança boa ou má
E por isso mesmo se esquecem

Jura que se tiveres uma aventura
Vais contar uma mentira
Com cuidado e com ternura
Vais fazer uma pintura
Com uma tinta qualquer
Que o ciúme é queimadura
Que faz o coração sofrer

Jura que não vais ter uma aventura
Porque eu hei-de estar sempre à altura
De saber
Que a solidão é dura
E o amor é uma fervura
Que a saudade não segura
E a razão não serena
Mas jura que se tiver de ser
Ao menos que valha a pena


Não que eu goste especialmente desta música, mas fui forçado a ouvi-la no meu zapping radiofónico. (Sim, ainda pratico tal modalidade.). Sucede que o Rui (não que eu o conheça, mas este gajo é grande, por isso pode ser tratado só pelo primeiro nome, como o Elvis, por exemplo), na minha opinião, anda a ver mal a coisa. “Se tiver de ser/ Ao menos que valha a pena”?! Mas que merda é esta? Se eu tiver que levar um par de cornos ao menos que sejam pregados pela alfaia paquidérmica de um negro saudável das Áfricas que a minha mulher nunca mais se vai esquecer? Ao menos promete-me que ainda vou ter muitos anos pela frente, após reconciliação, em que te vou encontrar, num dia de festa, com a casa quente e cheia de pessoas, e tu cá fora, sozinha no alpendre, sentada numa solitária cadeira a suspirar no horizonte pelo preto que te comeu de tal maneira que te subiu um número de calças para sempre? É isso que tu queres Rui? Fica sabendo que não concordo nada com isso. Esse gesto cavalheiresco de desejar que as aventuras delas sejam memoráveis parece-me masoquista e pouco ambicioso. Tu é que lhes toldas a memória e lhes avivas a chama quando esta ameaça apagar-se. Tu é que tens de valer a pena. O resto, todas as outras aventuras, inevitáveis é certo, desejam-se fugazes, efémeras. O seu único papel, uma vez que têm de existir, reporta-se unicamente a reforçar aquilo que ela sente por ti. Há que provar do resto para se saber o que se quer. Mas espera-se sempre, sempre Rui!, que o resto não seja tão bom como o teu prato. Porque se o for, qualquer dia comes sozinho. Faz-me um favor fazes? Coloca um simples ‘não’ no último verso. Entre o ‘que’ e o ‘valha’. Vai por mim.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

isto não faz sentido, desculpem


Ou te levantas e te agarras a essa cena, ou então deixas-te estar sentado, mas fazes-te homenzinho e largas o apoio de cima. Assim é que não! Isto é como comer um bife com faca e colher: sim, it can be done, mas da mesma maneira que aquele apoio em cima não foi concebdio para ser utilizado por gente sentada, a colher não foi concebida para conviver com a faca (nem com bifes) no mesmo prato.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Winfrey, tu não me f*das!

In short, this now looks like a carefully choreographed, slow-release PR plan – likely managed by Armstrong's long-time agent Bill Stapleton – to perform a 180-degree turn on all previously held positions: belligerent denial, self-righteous indignation and bullying belittling of accusers. Instead, we have Lance Armstrong the penitent sinner: the weepy, choked-up prodigal son, who is finally coming clean and seeks redemption. As is well-established, an audience with Oprah achieves that almost instantaneously: I can see her right now, reaching out and taking his hand as he shakes with emotion and talks about the pain of living the false life we all made him lead.


Não obstante, começa a cheirar mal esta merda.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A besta (vai à Oprah)


A hora não é a mais indicada e o programa também não é o mais carregado de testosterona, mas acho que nem o Bear Grylls vai querer perder estes noventa minutos de televisão. Na madrugada de quinta para sexta-feira (2:00 am), o ser desprezível que se encontra refastelado na fotografia (*) acima - por baixo das sete camisolas amarelas representativas das sete mentiras que pregou ao mundo inteiro - vai à Oprah. Desde agosto, altura em que o escândalo veio a público, têm vindo a lume dados que para além de ajudarem  a perceber de que era afinal feito este animal, incutem um sentimento de revolta até naqueles que - como eu - nunca foram grandes adeptos de ciclismo. De tentativas de suborno, a ameaças em plena competição, passando por mais ameaças, este merdas fez de tudo e a pergunta que inevitavelmente nos surge é como é que é possível que ninguém o tenha denunciado nestes ano todos? A resposta, essa, aparece em forma de desabafo de uma das poucas pessoas que ousou combater esta farsa. Questionado sobre se este caso poderia mudar alguma coisa no ciclismo, o ex-ciclista Cristophe Bassons (conhecido no circuito esclarecedoramente por "Mr. Clean") refere, entre outras coisas, que "a intenção de fazer batota está sempre presente" concluindo com um sintomático "está na natureza humana". Ora, quando um ciclista - sobretudo um ciclista conhecido por ser um exemplo de honestidade - acha que fazer batota é próprio da natureza humana, fica muito pouco por explicar neste caso. Ele nunca foi descoberto porque não havia nada a descobrir. Num mundo onde a batota é a regra, infringir as regras não pode ser batota. Simples.

Ao que parece, o programa vai ser transmitido em direto em streaming para o mundo inteiro e eu recomendo vivamente que se sentem em frente ao computador para ver isto. Será a oportunidade por excelência de todos quantos nutriam algum tipo de admiração por alguém que tinha feito o que parecia - pelos vistos era - impossível observarem com atenção a cara de cu com que ele se vai apresentar ao mundo. Porque ver este programa, mais do que um exercício fútil de voyeurismo, em que se vai mostrar ao mundo a desgraça alheia, representa a oportunidade de castigar este gajo da única maneira que ele pode ser castigado. Os títulos já foram, os patrocínios (pelo menos a maior parte) também, mas o carácter coercivo (o "castigo" propriamente dito) desse tipo de coisas é muito pequeno tendo em conta que o ser deve estar carregado de dinheiro até ás orelhas à pala de uma carreira alimentada a injecções de mentira e de intimidação a todos aqueles que ousaram um dia duvidar do seu mérito. O castigo, num caso destes, só aparece com a vergonha. E mesmo que a vergonha venha acompanhada de mais uma mala carregada de dólares (imagino o que a Oprah está a pagar para o receber), ao menos o mundo inteiro vai poder ver este filho da puta a admitir que é uma farsa. Continua a ser pouco, sem dúvida, mas que me vai dar gozo vai. Faço por isso um apelo a que vejam, atentos, este programa e que, se possível, vão fazendo print screen das expressões que melhor se assemelhem a um cu de ciclista mentiroso para depois as espalharmos pelo mundo. Tal como ele espalhou a mentira de que era um desportista.

(*) A fotografia, já agora, foi colocada pela besta no twitter assim que saíram as acusações da agência norte-americana de anti-dopagem, revelando assim toda a sua esplendorosa bestialidade.

leituras de autocarro

"como faria falta ferrarmos toda a gente e vingarmo-nos do mundo por manter as primaveras e a subitamente estúpida variedade das espécies e as manifestações do mar e a expectativa do calor e a extensão dos campos e as putas das flores e as arvorezinhas cheias de passarinhos cantantes aos quais devíamos torcer o pescoço para nunca mais interferirem com as nossas feridas profundas. que se fodam. que se fodam os discursos de falsa preocupação dessa gente que sorri diante de nós mas que pensa que é assim mesmo, afinal, estamos velhos e temos de morrer, um primeiro e o outro depois e está tudo muito bem. sorriem, umas palmadinhas nas costas, devagar que é velhinho, e depois vão-se embora para casa a esquecerem as coisas mais aborrecidas dos dias. onde ficamos nós, os velhinhos, uma gelatina de carne a amargar como para lá dos prazos. que ódio tão profundo nos nasce. como incrivelmente nos nasce alguma coisa num tempo que já supúnhamos tão estéril."

Valter Hugo Mãe
a máquina de fazer espanhóis

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

(Remember) Catano


Eram uma vez quatro irmãos: o Fulano, o Cicrano, o Beltrano e o Catano. O Catano era o mais novo, e fazia uma grande diferença dos outros três que, entre si, tinham pouco mais de dois anos a separá-los. Tinha nascido fora de tempo, numa altura em que o pai, Propano, achava que já não tinha gás, e a mãe, Soprano, fôlego. Ainda assim, com pouco gás e quase nenhum fôlego, o Catano lá conseguiu chegar ao mundo, sem que este no entanto lhe viesse algum dia permitir ter uma vida saudável. Enfezado por natureza, passava grande parte do tempo enfermo, no quarto, onde tinha uma guitarra velha, que foi passando pelos irmãos até lhe chegar às mãos, "viva", mas presa por um fio. Aí, praticava sem cessar, ao som de um rádio a pilhas "roubado" da mesa de cabeceira do Fulano sempre que este saía de manhã com os irmãos e com o pai para a lavoura. Passava os dias a tocar no quarto, o que fazia as maravilhas de Soprano que não só tinha a companhia do seu filho mais novo nas tarefas da casa, como tinha o prazer de ouvir as cada vez mais elaboradas canções do seu "Cataninho". Assim foi durante quase duas décadas. 
Certo dia, o Catano, farto de se sentir um inútil numa vida de trabalho no campo, pôs a guitarra às costas, deu um beijo na testa de Soprano enquanto esta dormia, e saiu, sem destino, para não voltar.

Anos mais tarde, enquanto todos jantavam, ao som dos talheres a bater nos pratos, Soprano levantou a cabeça do prato repentinamente e pôs os braços por cima das mãos de Fulano e Beltrano, impedindo-os de levar o garfo à boca.
- "Shiiiiuu meninos. Deixem ouvir!" - exigiu Soprano ao mesmo tempo que apontava para a porta que dava para a sala. Desde que Catano tinha partido, tinha lá um rádio ligado todo o dia que, mais do que música, lhe dava a ilusão de ter o seu filho por perto. Cicrano, apercebendo-se da direcção que levava o indicador da mãe, levantou-se e abriu a porta. Os acordes da guitarra invadiram a sala de jantar, seguidos de uma voz que todos reconheceram instantaneamente. Soprano, com o braço ainda em riste, e os olhos esbugalhados, soltou, num misto de alívio e orgulho:
- "Esta canção é do Catano!!!!"

E não é que é mesmo.