Este fim de semana apanhei uma molha de humildade (secalhar não foi tanto humildade como foi de bom-senso, mas vocês decidirão no fim), de tal maneira que, de meia em meia hora, ainda tenho de dar uns saltos com a cabeça de lado para ver se me sai a água dos ouvidos. Passo a explicar: compromissos profissionais obrigaram-me a marcar presença no Terreiro do Paço, num total de 7 horas durante dois dias, para acompanhar uma coisa que por certo já ouviram falar (not!) e que se chama o "Ano do Brasil em Portugal". Básica e erroneamente trata-se de um ano de intercâmbio cultural em que artistas brasileiros vêm a Portugal apresentar o seu "craft". Neste fim de semana assinalava-se o início do dito ano com uma série de concertos de artistas brasileiros e portugueses. Nada de especialmente enfadonho (afinal, são concertos à pala) a não ser o facto de calharem precisamente - e vá-se lá entender porquê! - nos únicos dois dias, de um total de sete, em que eu não trabalho. Puta de azar! No primeiro dia em que não trabalhava até fui com satisfação moderada e aquilo até se passou bem, não obstante o cartaz e o facto de o meu local de trabalho ser localizado a cerca de 30 centímetros daquelas colunas que estão ao lado do palco e que fazem com que, passados 10 minutos estejemos 5 metros mais à frente do que estávamos sem termos dado um único passo. Se por um lado ganhei admiração por um gajo de 71 anos ainda andar ali tão roto como sempre foi, confesso que ainda estou a ouvir o batuque deste gajos que, supostamente, são os maiores lá na terra deles. Fui para casa a sambar e eu gosto tanto de samba como aprecio um pontapé nos tomates. Mas foi no dia seguinte que levei a tal molha de humildade. É que no dia seguinte aquilo desenrolava-se durante a tarde, altura em que a Premier League nos brindava com dois clássicos pejados de polémicas racistas, homenagens a adeptos malogrados, quantidades obscenas de milhões gastos em jogadores e, numa palavra: futebolespectáculo!! Foi, por isso, de braços caídos e cornos no passeio -qual puto amuado a quem tiraram o triciclo - que me dirigi para a Praça do Comércio para ver no mesmo sítio da véspera um concerto onde artistas como Carminho, Zé Ricardo, Paulo Gonzo, Boss AC e Martinho da Vila se iriam revezando na tarefa de promover o tal intercâmbio cultural que se pretendia. Sem entrar em grandes considerações sobre "artistas" como Gonzo (que, ainda assim, se fez acompanhar pela sempre bela Lúcia) ou Boss AC posso dizer que aquelas balelas dos intercâmbios e do "povo-irmão" e afins que sempre nos tentam impingir quando se fala deste tipo de eventos naquele dia não foram balelas. Pela primeira vez senti, de facto essa ligação àqueles zucas todos que compunham aí uns 70% da assistência. E houve um homem reponsável por isso. Chama-se Martinho da Vila e é um homem que eu ouvia durante longas horas quando há uns anos atravessei uma fase em que só ouvia Bossa Nova, nas vozes de senhores como Vinicius de Moraes, Toquinho e, claro Martinho da Vila. Disse este grande senhor do alto dos seus 45 anos de carreira que se há uma coisa que o povo brasilêro pode trazer para Portugal essa coisa é a alegria! E isto pode parecer um clichê mas nesta altura em que ao pequeno almoço comemos crise, ao almoço embochamos troika e ao jantar comemos a Merkel enquanto ouvimos o Gaspar, ouvir aquelas palavras foi inspirador. E digo mesmo mais. Ouvir o Terreiro do Paço todo a acompanhar aquele senhor a cantar "canta canta minha gentxi... que a vida vai melhorá" foi tão apropriado ao momento que chegou a ser comovente. Houve ali uma união perfeita e espontânea de brasileiros e portugueses e, se nas caras dos brasileiros se viam - literalmente - lágrimas de alegria por terem aqui em Portugal um pedaço do seu país, nas caras dos portugueses via-se uma alegria tão genuína como incomum hoje em dia. Naquele momento portugueses e brasileiros eram um só e, escusado será dizer que, entre a melancolia que nos caracteriza e a alegria que os define, foi esta que imperou. Não houve queixas. Não houve choro. Não houve troika. Não houve crise. Nem sequer houve bola. Só alegria. Em português.
2 comentários:
bom post!
Só uma menção para Monobloco: Obrigado por existirem. Sempre que há show de Monobloco aqui, na assistencia a quantidade de fanfaria é de facto algo digno de agradecimento pela existência da banda!
bom!
e confirmo, monobloco é um iman de fanfa! vale a pena nem que seja para lavar a vista.
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