segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Quitério

José Quitério já era uma instituição. Nos últimos anos habitava as últimas páginas da revista do Expresso, mas há cerca de 40 anos que escrevia para o jornal sobre comida - tenho alguma dificuldade em distinguir "gastronomia" de "culinária", por isso prefiro usar "comida". A tática do anonimato que sempre fez questão de aplicar e os textos excessivamente adjetivados, muitas vezes de adjetivos raros e exóticos, conferiram a Quitério uma aura quase mitológica. Onde o comum dos mortais via um bar com uma varanda para o Tejo, Quitério via um "bar convidativamente ajaezado, prolongado para a comprida varanda sustentada pelos arcos da frontaria, com serventia visual para o Tejo". Já fazia parte da sua escrita. Os seus textos já respiravam por si, e quase deixavam para segundo plano os víveres e respectivas confecções a que diziam respeito. Quitério fazia-nos lê-lo, a ele, mais do que nos suscitava a curiosidade de saber se determinada casa de pasto em Évora estava a respeitar o cabrito no forno. Tratando-se de um crítico de comida, talvez esse não seja o maior elogio que se lhe possa fazer, mas atesta da grandeza de Quitério. 

Esta semana, por motivos de saúde que se espera sejam de fácil resolução, Quitério já não escreveu para o Expresso. Fortunato da Câmara ocupa agora o seu - de Quitério - espaço. Em vez da crítica, dá esta semana uma entrevista à revista do Expresso, e nela dá gosto ver como a pessoa José Quitério pouco tem a ver com o crítico Quitério. O seu tipo de escrita faria supor que se trata de alguém sensível, não só a gostos e cheiros, mas a palavras e descrições. Faria supor que se trata de alguém distante, diferente, arrogante, altivo. Não sei porquê, mas era assim que eu via Quitério. É natural esperar que alguém que passa boa parte de 40 nos a criticar (por vezes sem misericórdia) o trabalho de outros desenvolva uma distância e uma arrogância que acabam por ser necessárias ao seu trabalho. É refrescante perceber nesta entrevista que Quitério não é nada disso. Quitério parece ser um gajo impecável e deu-me um gosto especial conhecê-lo. Finalmente.


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