sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Incognito vs. Martin

Dando sequência à série "Coisas-Sempre-Relacionadas-Com-Desporto-Nos-EUA-A-Que-Mais-Ninguém-Liga-Sem-Ser-Eu" hoje trago mais um brilhante texto sobre uma polémica que nasceu há uns dias na NFL, mais precisamente no balneário do Miami Dolphins. Resumindo e contextualizando: o jogador A (Jonathan Martin), novato na linha ofensiva dos Dolphins, farto de se sentir discriminado, gozado, posto de parte - numa palavra: bullyed -  pelos restantes membros da linha ofensiva da equipa, decidiu gritar "basta!" e pôs-se ao fresco, internando-se voluntariamente num hospital. Logo vieram a público um rol de sms que o jogador B (Richie Incognito) enviava ao jogador A, ameaçando-o e intimidando-o, apenas porque sim e, diz-se, porque os treinadores achavam Martin "soft" e, como tal, precisava de ser "enrijecido". O debate assumiu uma dimensão nacional e logo deambulou para o bullying e para as obrigações das equipas e da NFL em evitar que este tipo de situações ocorram num meio (o do futebol americano) em que a taxa de suicídio é alarmantemente alta.

Mas o que esta situação tem de especial, é que não estamos a falar do gordo com borbulhas da escola que é gozado pelos colegas, mas sim de homens de 100 quilos para cima, que fazem da agressividade e da intimidação o seu sustento. Talvez por isso, por estarmos num balneário de futebol americano, e não num parque de baloiços, a análise que os meios de comunicação, os atletas, treinadores, etc, fizeram inverteu os papéis que seriam normalmente atribuídos e fez do agressor a vítima e do agredido (quase) o agressor. Incognito deu uma entrevista, meticulosamente preparada, em que vestiu a sua melhor camisa aos quadrados (com as mangas para baixo, não fossem os braços cobertos de tatuagens dar uma ideia errada do santo que ali estava), apertou os botões todos até ao penúltimo, penteou o cabelo para o lado e, com uma candura e sensibilidade que nem o papa Francisco conseguiria igualar, lá disse que se alguma vez disse a Martin que ia matar a mãe dele, ou que o ia matar a ele, ou se o ignorou ou maltratou foi porque sempre foi o seu melhor amigo e nunca percebeu que lhe podia estar a fazer mal. Óbvio.


Está aqui um trabalho de relações públicas absolutamente flawless, justiça lhe seja feita. Apetece apanhar um avião até Miami, pegar em Incognito ao colo e embalá-lo até adormecer nos nossos braços. Felizmente ainda há cabeças que funcionam direito e, felizmente também, essas cabeças não só funcionam direito como têm a capacidade para pôr em palavras aquilo que as pessoas normais (onde me tento incluir sempre que posso) pensam. É o caso de Brian Phillips que escreve para o Grantland e que escreveu este texto que, no fundo, e depois de tanto intróito, era o que queria mostrar. Fica um excerto e o texto:

Because this — this idea that Jonathan Martin is a weakling for seeking emotional help — this is some room-temperature faux-macho alpha-pansy nonsense, and I am here to beat it bloody and leave it on the ground. Every writer who's spreading this around, directly or by implication; every player who's reaction-bragging about his own phenomenal hardness; every pundit in a square suit who's braying about the unwritten code of the locker room — every one of these guys should be ashamed of himself, and that's it, and it's not a complicated story.

7 comentários:

Xadão disse...

Maior dos pintos,

Em primeiro lugar, não é verdade que mais ninguém ligue aos teus posts sobre desporto. O que acontece é que ninguém liga a qualquer um dos teus posts. Nem aos meus. Simplesmente porque ninguém lê esta merda. Isto é ponto assente.

Enfim, a verdade é que no trabalho não consigo ver os vídeos que pões. Mas ainda assim, relativamente a este último post, apesar de não ter o vídeo, permite-me discordar de ti e do fanchono que escreveu “every one of these guys should be ashamed of himself, and that's it, and it's not a complicated story.”.

Foda-se – vernáculo propositado -, não é bem assim. De facto estamos a falar de homens de 100kg, de facto estamos a falar de homens que querem singrar num mundo de alta competição, de facto estamos a falar de homens que querem singrar num mundo de alta competição em que o desporto é dos mais agressivos que existem, e de facto estamos a falar de homens porra. O gajo não pode resolver as merdas dele? O gajo está farto que apertem com ele, tem bom remédio, resolve as coisas como um homem. Ou então não tem estofo para estar num equipa de futebol americano. As simples as that.

Agora, internar-se? Daqui a bocado só faltava fazer uma reunião de encarregados de educação dos jogadores daquela equipa. Muito bem que o outro estava a ser um otário, mas quanta situações destas não existem? Há várias soluções para isto, mas nenhuma delas me parece a que o “apertado” optou.

O bullying existe entre as crianças. Não entre atletas adultos de alta competição e que, como disseste, “fazem da agressividade e da intimidação o seu sustento”. Se a agressividade e a intimidação são o seu sustento e o caminho que ele escolheu, quando são agressivos e intimidadores com ele, tem mais é que aguentar e fazer-se à vida. Caso contrário, está no caminho errado.

Realmente não me parece “a complicated story”.

Morales disse...

O que está aqui em causa, ou pelo menos aquilo que eu queria que estivesse aqui em causa, não é qualquer juízo de valor sobre a opção dele, mas antes a leitura que se fez da situação. Estamos de acordo que se este gajo não aguentou 1200 sms a dizerem que o gajo é roto, ou que o vão matar, ou que vão matar a mãe dele, então o lugar dele não é numa equipa de futebol americano. Não é de facto uma complicated story.

Aquilo que está aqui em causa é a leitura que se fez da situação e que quem está mal aqui é o Martin porque é uma flor de estufa e não o Incognito, porque é um urso que faz da intimidação a única forma de motivação dos rookies (como se fosse a única, ou sequer a mais eficiente).

Em nenhum momento defendi a opção de Martin se internar. Não tenho nada a ver com isso e limito-me a reconhecer que há gajos sensíveis que não aguentam este tipo de tratamento. Nem todos os homens são homens na altura de se defenderem. Mas o facto de este gajo não ter tomates para se defender não faz com que o gajo que o ataca esteja certo. Muito longe disso! É nessa falácia que a grande maioria dos analistas que comentaram este caso caíram. Deixaram que o facto de se estar na NFL fosse uma condição que anula as mais básicas regras da convivência dentro duma equipa.

O bullying existe entre uma pessoa confiante e uma sem confiança. Na minha opinião não tem nada a ver com a idade das pessoas embora obviamente seja mais comum em crianças. E quando uma pessoa que tem auto-confiança vê numa que não a tem uma oportunidade ou um pretexto para lhe esfregar isso na cara, não é esta segunda que deve ser condenada por coitada ter nascido com défice de testosterona.

Não podia estar mais de acordo com a tua conclusão. O gajo tem que escolher outro caminho. Isso não faz das ações de Incognito certas, ou nem sequer aceitáveis.

Xadão disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Xadão disse...

Concordo que o bullying existe entre uma pessoa com confiança e outra sem confiança. É, a meu ver, uma excelente definição.

Mas quando disse que existia nas crianças e não em atletas de alta competição, quer isto dizer que onde me causa preocupação é nas crianças (e mesmo assim tem de ser discutido, porque não partilho do histerismo do bullying nas escolas nos EUA).

Agora, quando dizes que a tónica não deveria estar na discussão da legitimidade da acção de Martin, mas antes na avaliação do comportamento do Incognito, penso que não é possível dissociar uma do outro. A meu ver é inevitável pronunciar-me sobre o internamento, uma vez que apenas essa drástica solução potenciou a acção de Incognito, tornando-a alvo de uma censura mais acentuada que o normal. O Incognito é apenas um atrasado mental, cujo rumo natural das coisas deveria tratar por si próprio. A meu ver, a sua acção (supondo que era “apenas” um bullying agressivo, sem chegar aos níveis do stalking) não é condenável ao ponto de o apontarem como o culpado pelo internamento de uma pessoa. Aquilo que Incognito faz é condenável, mas é tolerável do ponto de vista social, tendo em conta a envolvente conhecida (equipa de futebol americano/vet vs rookie, etc.). Aquilo que Incognito faz é replicado por todo o mundo, em vários desportos. Chama-se a isso, a puta da vida. É, se quiseres, uma triagem natural dos fracos. E isso existirá sempre. Se há um coitado que não aguenta e se interna por causa disto, então os seus problemas são maiores que apenas esta causa isolada. Daí achar que Incognito deva passar com uma simples admoestação verbal.

Existe um fenómeno a nível mundial, com o racismo, com o bullying, etc. em que se tenta proteger as pessoas de tudo e mais alguma coisa, como que querendo prosseguir o objectivo de erradicar do mundo qualquer obstáculo que surja no caminho das pessoas. Atenção que não estou a falar dos casos mais graves, mas qual é o mal do Balloteli ouvir um “preto do caralho” quando vai a correr com a bola? Não é o mesmo que os árbitros ouvirem um “filho da puta”, ou enfia a “bandeira no cu”? Não ouço ninguém a querer criar um movimento a favor da “dignidade do recto dos juízes de linha”. E que mal tem um rookie ser apertado num balneário? Qual a solução? E quando erradicarmos as ofensas racistas e os apertanços de balneário, o que se segue? Que outro mal menor vai ser alvo desta preocupação excessiva? Vamos debruçar-nos sobre o mal que existe nas pessoas que não agradecem a quem segura a porta quando entramos num centro comercial, por exemplo? Ou sobre as pessoas que não cedem os lugares prioritários nos autocarros?

Quero com isto dizer, que há problemas do dia-a-dia, problemas da vida comum, os quais são as próprias pessoas quem tem de os resolver. Não é possível legislar tudo, não é possível proteger as pessoas de todo e qualquer mal no mundo. Nem possível, nem desejável.

Morales disse...

lol Eu acho que estamos mais próximos do que pode parecer. O que nos separa é que tu focaste-te na rabetice do acto de auto-internamento. Eu percebo e, como já disse, concordo que não abona em nada a favor de Martin, sobretudo se quiser ser jogador de futebol americano.

Mas imagina que ele não se tinha internado. Imagina que ele pura e simplesmente tinha dado uma conferência de imprensa em que dizia que rescindia contrato com os dolphins porque estava farto do tratamento e dos sms (foram mesmo 1200, não era um numero por alto...lol) e queria ir para uma equipa onde os rookies fossem tratados com mais respeito. Isso já tornava as ações de Incognito mais condenáveis. É que pelo que dizes é o que pareces defender e é o que eu não entendo.

A meu ver a ação dele é condenável independentemente do tipo de reação que provoca no Martin e é isso que o Phillips defende e que eu aplaudo. Tb não acho que Incognito deva ser expulso ou nada parecido. Apenas quero que neste caso, ele não seja visto quase como o "bom da fita" que estava a fazer o melhor pelo rookie. Este é que era um roto e por isso que vá po crlho. É só esta leitura do caso que eu condeno e que o Philips condena.

Quanto ao que dizes de que se quer defender todos de tudo, percebo o que dizes e concordo mas há casos que extravasam a fronteira do aceitável. Essa fornteira é fdda de estabelecer mas, por exemplo, o sms que aparece no artigo, por si só, já me parece a roçar o inaceitável. Se multiplicado por 1200 tenho séria dificuldades em aceitar se fosse dono da equipa em causa. Concordo que as praxes e o apertar com os rookies até são saudáveis se dentro dos limites do razoável. A questão está no que é razoável para cada um.

Quanto ao resto acho ainda assim que não se pode pôr tudo no mesmo saco. O insulto racista é muito especial porque além de trazer csg a carga histórica de abusos que um determinado grupo de pessoas sofreu ao longo do tempo, o insulto "preto do caralho" é diferente de "filho da puta" ou "enfia a bandeira no cu" por exemplo. Os retos dos juízes de linha não sofreram séculos de descriminação e abusos apenas por serem os retos de juízes de linha e não retos de outra pessoa qqr. No primeiro tu estás a chamar à pessoa em causa o que ela é em termo literais ("preto") como se isso por si só fosse motivo de vergonha. Se chamas a alguém fdp está a projetar em alguém um rótulo que nao corresponde ao que ela é. Estás a chamar-lhe algo porque sabes que seria uma motivo de vergonha se ela efetivamente fosse o que esse rotulo diz. É diferente.

Tb acho que vivemos numa sociedade em que cada vez mais há necessidade de proteger as pessoas umas das outras. Merdas como a ASAE ou as fotografias nos maços entram por caminhos que para mim já são duvidosos. E não podia estar mais de acordo quando dizes não é possível legislar tudo nem desejável proteger de todo e qualquer mal. Mas não podemos cair no erro de achar que a impossibilidade de impedir que as coisas ocorram signifique que elas devam ocorrer. Continua a ser errado chamar "preto do caralho" a alguém e, a meu ver, incomparavlemente mais grave do que fdp! Mas cabe a cada um defender-se! É a apropriação de determinada guerra por parte da sociedade como sendo sua que é discutível. Estamos de acordo nisso.

Ainda assim não sei se o racismo cabe aí. Há assuntos que uma soociedade deve tomar como seus e combatê-los. O racismo provavelmente é um deles.

Xadão disse...

Bem, para que não fique sem resposta a tua última resposta, que, sinceramente, está tão bem ou tão mal fundamentada que , pegando no texto do post, não é só o Incognito que apetece abraçar, respondo o seguinte: Estamos, de facto, mais perto do que me parecia ao princípio. E, realmente, 1200 sms não é um mero “apertar”. É assédio, roça o patológico. Mas enfim, é sempre uma questão de avaliação do caso concreto. Incognito deve ser um gajo obcecado e excedeu-se, sem dúvida.

Quanto ao racismo, deixemos isso para outras núpcias. Apesar de, mais uma vez, não estarmos em campos assim tão opostos, há muita coisa para dizer. Em jeito de conclusão de filme que deixa antever uma sequela, deixo-te este vídeo do youtube, de uma entrevista do Morgan Freeman, preto dos quatro costados:

http://www.youtube.com/watch?v=l7t1Q6PE4ds

Morales disse...

Hehe

Esse vídeo é bom e dá pano para mangas. Um dia destes abordamos esse tema.