quinta-feira, 18 de junho de 2015

Novelas: o elogio a Chaplin

Sou um homem casado, que é o mesmo que dizer que vejo novelas. Não necessariamente no plural, mas tornou-se já norma lá em casa que no período pós-telejornal a televisão fica entregue a uma qualquer produção ficcional portuguesa ou brasileira, ou ambas. É uma daquelas batalhas que um gajo ainda trava nos primeiros tempos, mas que rapidamente percebe que há batalhas muito mais importantes no horizonte cuja vitória muitas vezes só precisa de um simples "fosga-se [inserir nome da esposa]! Eu deixo-te ver a novela todo o santo dia! Deixa-me lá ver agora este Peru-Uruguai do campeonato de mundo de futebol...feminino!" para ser ganha. São escolhas. De qualquer forma - e é com um pingo de indisfarçada vergonha que o digo - por vezes vejo-me investido no enredo, sempre inverosímil claro, da novela da época (também acontece dar por mim investido nas mamas da Lencastre mas adiante). E sempre que dou por mim a pousar o iPad para dedicar toda a atenção a um qualquer Lourenço Ortigão a fazer de quarentão penso para mim: "Foda-se! Será que isto afinal é bom? Será que afinal este gajo é bom ator? Naaaa... Não pode." Mas não poucas vezes ali fico, com o iPad a chamar por mim desesperado, traído. A esposa olha de esguelha, com um sorriso estampado na cara, como quem diz: "Consegui!", e eu esfrego as mãos de contente com a conquista de mais um crédito para o Áustria-Panamá que começa daí a minutos. Felizmente, por vezes somos brindados com verdadeiras demonstrações do que é representar e, graças a elas, conseguimos voltar a trepar do fosso imundo que é a ficção nacional. Os padrões voltam a subir um bocadinho e a ver a luz do dia e nós ficamos outra vez mais felizes connosco mesmos. "Realmente... aquele Ortigão é mesmo terrível. Nunca te esqueças disso Morales!!!". Vem tudo isto a propósito desta espetacular música que me fez voltar a ver e rever o discurso do Chaplin no The Great Dictator. Estamos a falar de uma cena gravada há mais de 75 anos e que hoje me dá arrepios. Hoje lá em casa vai-se ver cinema do bom. Tá beeeemm.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Apenas para memória futura.

Deixo aqui o texto que, até agora, tinha apenas no meu facebook. Transcrevo-o, para que fique arquivado.

Um queijo a todos.

"Caro Ladrão (que não tens outro nome),
Fica sabendo que hoje apresentei queixa pelo iPad Mini e pela pulseira que roubaste de minha casa em Agosto, na festa que lá dei para amigos. Podes estar descansado que a queixa apenas é feita porque me convém em termos burocráticos, já que tenho perfeita noção de que cá em baixo não te apanho, pois não sei quem és (a queixa vai contra incertos). Mas torno isto público porque se cá em baixo não te apanho, sei que ao menos na tua consciência, a qual é auditada por Ele mesmo, serás julgado. E condenado. Devo-te lembrar que, para agravar, a festa era no jardim e eu avisei que a casa estava fechada. Ainda assim entraste. Pela cozinha entreaberta. Como os ratos fazem. E as tuas mãos farejaram para além do que a vista via, manipulando manetas de portas fechadas e entrando no quarto dos meus pais, para aí sim, furtares o iPad e a pulseira. Porque há diferença entre levares uma coisa que está à vista e procurares deliberadamente por alguma coisa que possas levar. Tu não tens a sede dos oportunistas, mas a fome dos reles. A tua alma não é corrompível, está corrompida. Como ousas, filho de puta, entrar no quarto dos meus pais? Esse templo onde os Machadinhos são concebidos e onde não és digno do ar que respiras, sequer. És lixo. Mas não julgues ser daqueles sacos pretos bonitinhos com a fitinha amarela para dar o nó e que a empregada deixa na escada para o porteiro recolher. És o lixo que fica quando os rafeiros se fartam de o escavacar. És o que os cães despojam. És fraco, és merdoso, és rasca, frouxo, chocho e coxo. Como diria o Almada, nem cigano és, és meio cigano. És o último a ser escolhido no recreio, és o bairro castanho do monopólio, és vodka rasca com cheiro a amêndoa, és a fava do bolo rei, és feio e esse cheiro não sai. Desejo-te todos os pequenos males e azares que a vida possa reservar para uma pessoa. Quero-te com cieiro, aftas e pé de atleta até ao fim da vida. Quero que te caia um piano em cima e que o coiote te apanhe e leve o seu tempo a escalpar-te. Quero que o empregado se demore a trazer-te a manteiga, que sejas o último na fila das Finanças e o primeiro na fila para a câmara de gás. Quero que todos os sinais fiquem encarnados para ti, que caia chuva quando pões um fato novo, que o elevador se avarie, que não saibas duma meia, que te engasgues quando “ela” te vier falar e que a tua mãe torre a herança no tratamento dos joanetes ao ponto de te deixar não mais do que uma dívida de 10€ no café do Sr. Antunes. Desejo-te não o inferno, mas o purgatório para sempre. Mereces uma eternidade na angústia dos que esperam e não a certeza infeliz dos que reprovaram. Esses, ao menos, podem pensar em redimir-se. Tu nunca vais saber a diferença, meu merdoso. Faz bom proveito disso. E não te esqueças que eu bem sei que entre roubar um iPad (que podes usar) e roubar uma pulseira de senhora (que vais vender), vai um grande salto. És mesmo um ladrão nojento, do mais baixo que existe. Pobre o teu espírito que se deixa levar por uma coisa destas. Porque não é o iPad e a pulseira que me chateiam. Mas o facto de ter tido um réptil em minha casa e, pior, no quarto da minha mãe. O que me custou não foi ficar sem dois objectos, mas antes saber pelo meu pai que a minha mãe mal dormiu nesse dia, angustiada pelo facto de ter tido um servente do mal no sítio que é o mais seu. Isso foi o que me roubaste merdoso. Por isso se quiseres levar mais alguma coisa cá de casa, não entres. Pede, que eu levo-te lá fora ao portão.

Nota: sei que já passou algum tempo, mas se alguém souber quem o fez, cuspam-lhe com os olhos e digam-lhe que, a meu ver claro, este gajo é um merdoso."